Mobiliário Luso-Brasileiro


{"time":1749643912290,"blocks":[{"type":"Header","data":{"text":"MOBILIÁRIO LUSO-BRASILEIRO","level":2}},{"type":"Quote","data":{"text":"Com o passado em foco, obras barrocas e de artistas modernos passaram a conviver com fragmentos, arcazes de antigas capelas, agora levados para ambientes sofisticados. As coleções particulares foram ampliadas. Oratórios com santos a eles destinados no devocionário popular colonial saíram das penumbras das alcovas para as salas de visitas. Aos poucos, os fragmentos ganharam lugar nas paredes, no acréscimo de móveis, valorizados junto àqueles santos de argila, ou mesmo de madeira policromada. O próximo passo foi rápido: destaque em exposições e páginas de catálogos. (Tirapeli, 2016, p. 32) ","caption":"<br>","alignment":"left"}},{"type":"paragraph","data":{"text":"O período das Grandes Navegações e do consequente impulso ao comércio mundial levou os homens do Renascimento a emanciparem-se de muitos dos domínios da tutela clássica, alargando os campos do conhecimento e despertando-lhes uma característica peculiar: o gosto por reunir peças estranhas. Dentre elas, destacam-se móveis encomendados da África, Ásia e das Américas, executados com madeiras preciosas e decorados com marchetados de marfins, ossos, puxadores de metal ou bronze, mosaicos de madrepérolas e lacas. Alguns seguem traçado puramente islâmico, outros exibem elementos silvícolas, vegetais, zoomórficos ou, ainda, com figurações ao gosto do Barroco-Rococó. As cores escuras dos madeiramentos rígidos tornaram-se sinônimos de mobília nobre, a ponto de os lenhos claros sofrerem processos de escurecimento com corantes e vernizes para alcançar esses matizes. "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"Dos gabinetes de curiosidades aos museus atuais, de um inexorável processo de decadência à consagração, temos uma longa trajetória na circulação de objetos, sobretudo mobiliários, muitos deles dessacralizados dos seus locais de origem, porém vistos sob novos recortes curatoriais. "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"A partir dos intelectuais modernistas, idealizadores do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o antigo SPHAN, fundado em 1937, verificou-se a urgência em salvaguardar nossas antigas cidades, fazendas, igrejas ou solares em suas ambientações de origem, conduzindo a inserção dos bens coloniais no destaque das politicas públicas de preservação – fontes de pesquisa, resgate e contraste nos debates das vanguardas. "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"À luz de exposições nacionais e internacionais – algumas organizadas pelos patronos do MASP, em parceria entre o curador Pietro Maria Bardi (1900-1999) e a arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) –, começamos a repensar os objetos da casa brasileira sob uma ótica decolonial, do popular ao erudito, desprendendo-nos de um ponto de vista único e eurocêntrico. O influente casal ítalo-brasileiro foi responsável pela formulação de um novo modo de dispor os objetos cotidianos: uma enxada, o banco de um mascate ou a obra-prima de um mestre da pintura são trabalhos igualmente admiráveis. Essa visão revolucionária, superando as distinções entre arte, artesanato e artefato e extrapolando o gosto das classes dominantes na época, fundou a moderna expografia nacional. "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"Os Bardi, proprietários da Galeria Mirante das Artes e autores de uma revista homônima de periodicidade bimestral – projeto gráfico de Lina Bo, com logotipo desenhado por Wesley Duke Lee (1931-2010), que circulou entre 1967-1968 – trouxeram conteúdo sintonizado com a explosão da cultura de massa no Brasil. Ambos estavam atentos, para além da arte, ao design, mercado, à indústria, televisão, arquitetura, moda, publicidade e fotografia. Ao invés de uma sobreposição às artes tradicionais, houve uma somatória de pensamentos no âmbito de uma revolução cultural mais ampla, pop, que influenciou uma geração de colecionadores e fez escola. A combinação entre modernismo, objetos massificados e vintage, mobiliário tradicional, talhas, prataria e imaginária produziu elementos fundamentais na decoração da casa brasileira moderna e contemporânea, sinônimos de bom gosto e resgate de tradições. "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"Inicialmente, o mobiliário da Fundação acompanhava o projeto do arquiteto Oswaldo Bratke, contando com móveis de design retilíneo da renomada loja e escritório da época, a Branco e Preto. No entanto, com o passar dos anos, o casal substituiu-o por mobiliário de importância histórica, conforme tendência da época. A disposição que hoje conhecemos preserva o olhar de seus antigos proprietários e reflete alguns dos aspectos importantes da vida doméstica brasileira: o social, o íntimo, a fé e o cotidiano. "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"O escritório, na sua disposição severa, em mobília discreta, recorda-nos os ambientes frequentados principalmente por homens, cercados de livros e documentos, locais de onde partiam as demandas administrativas, onde realizava-se a contabilidade e fechavam-se negócios. Esta sala com biblioteca destaca-se pelo seu candelabro despojado, em mangas translúcidas, inspirado no Brasil Holandês, em diálogo com os demais recintos circundantes, valorizados pelas preciosas pinturas do artista Frans Post (1612-1680). "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"Na distribuição cenográfica dos móveis pelos cômodos, encontramos canastras, papeleiras, lâminas de vidro sustentadas por peanhas adaptadas como mesas de centro, tamboretes, meia-cômoda e outros móveis que incorporaram características do mobiliário francês, inglês e, principalmente, português, com suas mesas torneadas em espirais no estilo manuelino tardio. "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"O salão nobre apresenta algumas variações de mobílias joaninas de meados do século 18, com destaque para uma cadeira em elevada espalda com coroamento vazado em forma de concha – trono episcopal –, móvel no auge do rebuscamento estético do período Barroco. "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"Na parte superior de um par de credencias mineiras, em escaiola, com remanescentes de marmorizado e douramento, repousam dois anjos lampadóforos. Há cadeirado estofado, tocheiros de chão tripoides e sofás seguidos por mesas de encostar, ambas utilizadas como suporte para destacados potiches orientais. Sobressai, ainda, a distinta e solene cômoda encerada, base do monumental oratório-ermida, ambos em delicado pendor Rococó. "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"A sala de jantar, com sua prancha ambientada nos serviços da Companhia das Índias, cerca-se com ares de nobreza, em terrinas, sopeiras e cadeiras de jacarandá́ do período D. José I – um convite às conversas descontraídas, aos burburinhos dos jantares sociais e à vida cortesã de antigamente. "}},{"type":"paragraph","data":{"text":"O quarto, parada final deste roteiro, era o aposento mais reservado da residência, local de descanso, de intimidade e de orações privadas. Referências de realeza, temporalidade e fé́ caminhavam juntas: aparadores em fragmentos de mísulas de igrejas, suportes para abajures, imagens votivas, um crucifixo de parede e a cama de casal em colcha acetinada e franjas, encimada por entalhe de generoso encosto, em alto relevo curvilíneo, de elegante rocalha valorizada pelos seus quatro pináculos em fustes estriados, sinuosos e que se elevam aos céus. "}}],"version":"2.18.0"}
Rafael Schunk